Cena de Miami Vice (1987) / Fotoimagem
A Ferrari Testarossa branca rasga o asfalto cercada por
prédios de art déco em tons pastéis, coqueiros e luzes de neon da ambiciosa e
decadente Miami dos anos 1980. James “Sonny” Crockett (Don Johnson) e Ricardo “Rico”
Tubbs (Philip Michael Thomas) estão em busca de mais um cartel de traficantes
dentro do qual se infiltraram se passando por homens de semelhante moral. O
universo do seriado criado pelo renomado cineasta estadunidense Michael Mann
trazia a cidade tropical como a Casablanca (1942) de Rick Blaine (Humphrey
Bogart) onde as intenções e as personagens noturnas se confundem. Definido como
“um seriado revolucionário” e de “influência ainda evidente” pelo New York
Times, Miami Vice foi responsável em minha infância por me fazer gostar de televisão
e cinema, ou seja, comunicação.
Tentei artes cênicas, mas o meio no Brasil ainda é muito
racista, assim como o próprio país. Enquanto nos EUA com sua população composta
por 13% de negros existem papéis dignos para este grupo em suas produções,
mesmo ainda não sendo reconhecidos nas premiações. No Brasil com seus 53% de
negros, o que se víamos no início da década passada e até mesmo hoje na
produção brasileira são estereótipos raciais e em boa parte em obras sobre
escravatura. Esses mesmos atores e atrizes após serem “abolidos” da atração
voltam para os matagais do desemprego. Avaliando este panorama prontamente
migrei para o jornalismo e não demorei muito para estagiar na então prestigiada
TV Cultura.
“Assistindo à entrevista, era possível se sentir como uma
mosca na parede de um coquetel de gala da família real, onde os convidados de
honra – não completamente bêbados, mas relaxando à medida que incrementavam o
nível etílico com taças e mais taças do mais requintado Chardonnay – exploravam
os limites da decência no comportamento social”, as palavras do jornalista
estadunidense Glenn Greenwald resumiram a edição do programa de entrevistas
Roda Viva com Michel Temer do alto de seu provincianismo lembra uma
aristocracia cabocla emuladora dos péssimos hábitos da corte portuguesa. Um
ambiente para o qual não quero voltar a participar.
Em tempos como este o jornalismo se torna ainda mais
necessário. Em 2015, oito profissionais morreram enquanto efetuavam seus
trabalhos conforme relatório sobre liberdade de imprensa da Associação
Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). A ONG Suíça Press Emblem
Campaign (PEC) classifica o país como o 5º mais letal para jornalistas, à
frente de Estados em situação de guerra como Líbia, Iêmen e Sudão do Sul e
atrás apenas de Síria, Iraque, México e França – esta vítima de um ataque
terrorista ao jornal satírico Charlie Hebdo –. A organização Repórteres Sem
Fronteiras apontou para o país a 104º posição no ranking de liberdade de
imprensa atrás de Chile, Argentina, El Salvador, Nicarágua, Peru e Panamá.
Em 2013, escrevi para o Observatório da Imprensa o texto
“Uma emissora pública com passado e mirando o futuro” no qual acreditava que o
regresso de Marcos Mendonça ajudaria a sair das decepções amargas que foram as
gestões de Paulo Markun e João Sayad. Me enganei, a cena narrada acima apenas é
uma faceta desta administração e marca um dos momentos mais baixos do
jornalismo brasileiro.
Durante meu estágio aprendi muito e obtive conhecimentos que
carrego em meus trabalhos jornalísticos posteriores, porém passei por situações
embaraçosas e descobri que vivo em um país onde as relações se dão como se
ainda vivêssemos numa corte real na qual nobres se premiam e mantém uma
barreira invisível excluindo os indesejáveis. Quão maior é a pressão no
ambiente onde demissões levam aos restantes a produzir por três ou até cinco
funcionários maior é o espaço para surgir o assédio moral. Recordo de um colega
que gritava com mulheres e estagiários além de fazer piadas misóginas, racistas
e homofóbicas, porém levava quitutes para os chefes, ou seja, mais uma
reprodução de comportamento arcaico de uma “nobreza” provinciana.
No último episódio de Miami Vice, “Freefall” (Queda Livre),
a dupla decide abandonar a força policial após testemunhar o excesso de
corrupção que chega ao governo e como o mesmo usa suas agências como peças de
xadrez. Na última cena o sol já não é mais tão brilhante, sua palidez se
confunde com as areias brancas da praia, ambos detetives estão com melancolia
nos olhos tendo a Ferrari branca entre seus corpos. Após afirmar que voltaria
para o Bronx, em NY, Rico pergunta qual será o destino de Sonny e este cheio de
incerteza devolve: “eu não sei. Algum lugar mais ao sul, aonde a água seja
quente, as bebidas geladas e eu não saiba o nome dos jogadores”.
Há mais realidade em atores se passando por policiais,
enquanto se infiltram em organizações criminosas disfarçados do que em muita
coisa do jornalismo brasileiro. Quanto a mim, continuarei com alguns trabalhos
ocasionais que foi o que conquistei até hoje, mas vou para algum lugar aonde eu
não saiba o nome dos jogadores.
Miami Vice Last Ending Scene por MacZouve