sexta-feira, 3 de maio de 2013

Do Bataclã para Brasília

Meninas do Bataclã em Procissão / (foto: TV Globo)

Na trama de Gabriela, de Jorge Amado, regravada pela TV Globo em 2012, as moças que trabalham no bordel Bataclã lutam por direitos como o de sair em procissão pela cidade e se organizam para isto conseguindo até a ajuda do líder local, coronel Ramiro Bastos.

O projeto de lei nº 4.211/2012, de autoria do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-BA), também conhecido como Lei Gabriela Leite, busca regulamentar a prostituição no Brasil assegurando às profissionais do sexo o direito ao trabalho voluntário e/ou remunerado. O documento descriminaliza as casas de prostituição e, ao mesmo tempo, autoriza a cobrança de valores devidos na Justiça.

Em 2002, as profissionais do sexo passaram a ser incluídas na Classificação Brasileira de Ocupação (CBO) do Ministério de Trabalho e Emprego. Isto ainda não é a total legalização do ofício. O documento trata o grupo como vítima que exerce a profissão por pressão de um terceiro, ou seja, o “cafetão”. A legislação atual não pune a prostituta, mas sim, o responsável pelo bordel.

A visão do deputado Wyllys encontra semelhanças com o projeto de lei 98/2003, do ex-deputado federal Fernando Gabeira, que foi arquivado, e com o PL 4244/2004, do ex-deputado Eduardo Valverde, que saiu de tramitação a pedido do autor. A mesma dialoga com países como Alemanha e Holanda, que já regulamentaram as atividades das prostitutas.

Falta de direitos causa exclusão social

Entretanto, a Organização das Nações Unidas aponta estes dois em sua lista de países para o qual enviam vítimas de tráfico humano – outros destinos comuns são EUA, Portugal, Rússia, Turquia e Espanha. A ONU também afirma que as maiores vítimas são mulheres brasileiras de baixa escolaridade, entre 18 e 21 anos. Na ficção nacional este dilema também é retratado por meio da novela Salve Jorge.

A historiadora Rosana Schwartz vê no deputado Wyllys “uma representação importante para a Defesa dos Direitos Humanos. Uma voz que problematiza questões relevantes das minorias”. Wyllys é um reflexo de seus tempos. Oriundo do midiático da Sociedade do Espetáculo, foi apresentado ao grande público peloBig Brother Brasil, porém transgrediu esta barreira e hoje é visto como um intelectual e representante do movimento LGBT que também ganha espaço imagético e político.

“É de conhecimento que a prostituição é atividade das mais antigas e que, mesmo sendo considerada condenável do ponto de vista moral ou dos ‘bons costumes’, perpetua-se no tempo. Não problematizá-la significa não perceber o moralismo superficial que existe nas sociedades e a negação de obtenção de direitos como qualquer outro profissional. A falta de direitos é causadora de exclusão social e consequentemente da marginalização de segmento da sociedade numeroso”, problematiza Schwartz.

Outros lados têm voz

Enquanto ativistas pela regulamentação da prostituição se manifestam, há um movimento em contrapartida. Portanto, assim como as beatas e o padre foram contra a participação das “damas da noite” na procissão, os setores conservadores, principalmente a bancada evangélica, se mostram contra as posições do deputado Wyllys e este grupo tem como sua personificação o deputado Marco Feliciano.

Conforme o filósofo alemão Jürgen Habermas, o ideal no debate são as vozes terem espaço equivalente, sejam elas oriundas de onde forem. Nisto entram desde intelectuais, empresários, políticos até a população geral. O filósofo Luiz Pondé, na edição dos 100 brasileiros mais influentes, defende o líder evangélico Silas Malafaia como uma voz ativa que traz sua visão de valores cristãos ao debate. Ao mesmo tempo, Pondé apresenta honestidade intelectual ao dizer que “é uma pessoa importante, apesar de eu não concordar, em absolutamente nada, com o que diz”. Malafaia tem sua linha de pensamento alinhada com a do deputado Feliciano.

Para nomes como o pastor Feliciano e setores conservadores da sociedade, a 4.211/2012 é uma lei que não deveria seguir adiante. Schwartz discorda e avalia “que lutar pelos direitos de todos os trabalhadores venha a ser algo que incentive o crescimento de profissionais do sexo, mas sim, tratar a questão com dignidade necessária para o desenvolvimento dos Direitos Humanos. Considero um avanço dos movimentos sociais, dos coletivos e da própria nação discutir esse problema”.

O debate pode ser mais denso nos próximos ciclos, é um assunto que envolve além de valores morais problemáticas político-econômicas e pode atrair novos membros para a mesa assim como há também os jogadores invisíveis.

domingo, 7 de abril de 2013

Vivendo o sonho do jornalismo com o Comediante


Comediante em Watchmen (2009) / Divulgação)

Uma manifestação de populares toma as ruas de Nova York nos anos 1970. A polícia está em greve e os habitantes vandalizam as ruas em crítica à atuação de aventureiros fantasiados e vigilantes mascarados. O enxame de pessoas é controlado pelo sádico Comediante (Comedian), que é assistido por um espantado Coruja (NightOwl), e este questiona o violento colega: "O que aconteceu com o sonho americano?" e ouve a sarcástica resposta: "Se tornou realidade, você está olhando para ele."

No livro Mínimo Eu (1984), o historiador americano Christopher Lasch expõe como um dos males do modernismo o narcisismo, e este nada mais é do que fruto da insegurança. A cena acima é uma passagem do filme Watchmen (2009), baseado na graphic novel de Alan Moore de 1986, na qual as pessoas perderam a crença nos seus protetores e essa relação se dá pela cumplicidade de insegurança e narcisismo. A obra pode ser debatida com estudantes e recém-formados de jornalismo que sonham em ser um futuro Clark Kent cercado de glamour e aventuras.

Glamour e fama

Essa fantasia muitas vezes se dá pelo tratamento dispensado por alguns professores ao afirmarem para seus pupilos que veem para eles carreiras brilhantes em grandes órgãos da imprensa. Esse comportamento trata o ser humano como mercadoria – afinal, um pupilo bem posicionado pode ser usado como publicidade pelo seu "mestre".

O filósofo alemão Wolfgang Fritz Haug trata da mercantilização dos seres humanos em Crítica da Estética da Mercadoria (1971) e o mesmo é visto nas faculdades que alimentam devaneios de jovens narcisistas e inseguros – características presentes também nos "mestres". E quanto ao sonho de glamour e fama dos jovens jornalistas desempregados, o Comediante apenas responde: "Se tornou realidade, você está olhando para ele."



domingo, 31 de março de 2013

O Príncipe Tupac Shakur


2pac
Quando faleceu em 1996, o conceituado jornal americano “The New York Times”, o chamou de “o maior rapper de todos os tempos”, Tupac Amaru Shakur (1971 - 1996), conhecido como 2 Pac e também como Makaveli no final de sua carreira, foi vítima de um atentado em Las Vegas após uma luta do boxeador e seu amigo Mike Tyson no dia 7 de setembro do mesmo ano.

Sua morte foi algo que o próprio previa, entoava “You Live By the Gun, You Die By the Gun” (Você vive pela arma, e morre pela arma, em tradução livre). Seu estilo, o “Gangsta Rap” é a vertente mais violenta dentro do hip-hop, mas o mesmo não rimava somente sobre armas e trocas de tiros ou festas e misógina, mas seu forte foi apontar os problemas sociais de seu país e posteriormente do mundo.

Um homem que não se negava aos prazeres, festas, carros e mulheres, porém gritava as desigualdades impostas pelo American way of life mostrando que o sonho americano na verdade tinha se tornado um pesadelo, principalmente para as minorias afastadas do poder econômico e político. Muito de seu ativismo vem de sua mãe Afeni Shakur, uma integrante do movimento Panteras Negras.

Apesar de nascido em Nova York, na disputa entre rappers que abalou o cenário musical dos E.U.A nos anos 1990, o artista defendeu a Costa Oeste conhecida por nomes como Snoop Dogg, Ice Cube, Dr. Dre e Eazy-E. Do outro lado estavam Jay-Z, e os rivais de 2 Pac, Puff Daddy e Notorious B.I.G.

Em novembro de 1993, Shakur foi acusado de abuso sexual, a vítima alegava ter sido sodomizada pelo rapper e após o ato o mesmo encorajou os amigos a abusarem sexualmente dela. Shakur negou as acusações. A “agressão sexual” envolve não apenas estupro, mas outros tipos de violência como carícias desrespeitosas e beijos forçados.

Após servir 11 meses de sua sentença prevista para um ano e meio a quatro anos e meio foi liberado mediante pagamento de fiança realizado pelo empresário Suge Knight tendo como barganha assinar com sua gravadora, a Death Row.

Um dia antes do veredito no seu caso de abuso sexual ser anunciado, 30 de novembro de 1994, 2 Pac foi vítima de 5 tiros e assaltado enquanto entrava no lobby da Quad Recording Studios em Manhattan por 2 homens armados e não identificados. Shakur posteriormente acusaria os rappers nova-iorquinos Puff Daddy e Notorious B.I.G que depois lançou o hit Who Shot Ya? (Quem atirou em você?), porém afirmavam que não foram os autores do atentado.

A resposta veio em Hit 'Em Up (Dou Tiro Neles, em tradução livre) de 1996, considerada por muitos críticos e fãs a letra mais raivosa no mundo do hip-hop.

No período de cárcere 2 Pac se tornou intimo de “O Príncipe”, a obra-prima do filósofo italiano Maquiavel que é tida como bíblia da política.

Um dos principais ensinamentos de Maquiavel é que o líder deve ser amado e temido, se não poder ter um dos dois que escolha a segunda opção. 2 Pac é amado por seus fãs e muitos membros de sua comunidade, porém conseguiu ser temido por seus inimigos tanto que teve uma morte trágica. Outros autores que o inspiraram foram o general chinês Sun Tzu de A Arte da Guerra e o dramaturgo britânico Shakespeare criador de Othello, Macbeth e Hamlet.

A relação do cantor com os autores e a forma de tratar seus inimigos pode ser observadas em versos como: “Plan, Plot, Estrategize and Bomb First” (Planeje, Esquematize, e trace a Estratégia para atirar primeiro, em tradução livre) na canção Bomb First.

Depois da morte de 2 Pac, o rapper Notorious B.I.G faleceu em 9 de março de 1997, o atirador passou rapidamente de carro em uma modalidade de crime conhecida como drive-by nos E.U.A. A morte dos dois marcaria o encerramento da parte mais árdua da rivalidade entre ambas costas e seus aliados e inimigos hoje gravam músicas juntos e até usam suas vozes em algumas delas.

O álbum postumo “The Don Killuminati: The 7 Day Theory” foi lançado em novembro de 1996 e contém a música citada acima, Shakur o assinou sob a alcunha de Makaveli em homenagem ao pensador europeu. A teoria do 7º dia seria a arte de simular a própria morte e ressurgir. 2Pac ressuscitou por holograma em 2012 em ação que debate os novos conceitos de vida e morte na sociedade midiatizada.

Os insultos eram dirigidos aos rivais da Costa Leste e no período que formulou essas ideias, o artista mostrou pensamentos contrários e mais intensos contra o sistema mundial criticando o grupo Illuminati, uma teoria da conspiração que afirma haver um número fechado de pessoas por trás do controle de uma Nova Ordem Mundial.

O mesmo também apontou como a música iria piorar após sua partida, o que se confirmou, o rap tem se assemelhado nos E.U.A mais com a pornografia e menos com mazelas sociais e conquistas de excluídos.

Ao todo 9 álbuns póstumos foram lançados tendo material inédito remixado e não utilizado em canções anteriores. A canção “Changes” toca no MySpace do Vaticano e prega mudanças para um mundo melhor. A mesma que foi escrita em 1992 fala “we ain't ready to see a black President” (Nós ainda não estamos prontos para ter um presidente negro, em tradução livre). Ele não chegou a viver para isto e não sabemos se apoiaria a postura atual do dirigente americano.



2Pac